Faz hoje precisamente 36 anos anos que o Marítimo subiu pela primeira vez à I
divisão do futebol português. Aconteceu a 15 de Maio de 1977. Pela
primeira vez uma equipa fora do espaço continental lograva ascender ao
mais alto patamar do futebol em Portugal.
Trata-se de um marco histórico, escrito a letras de ouro pelo Club Sport
Marítimo. Depois de
muita luta, muito batalhar, muitas portas fechadas, a custear tudo do próprio bolso, eis que o nosso Clube Sport Marítimo chega ao mais alto
patamar do futebol português. Era o culminar de uma longa caminhada que teve que ultrapassar
obstáculos colocados cá e lá para ter sucesso. Com José Miguel Mendonça na chefia da
direção e Pedro Gomes na orientação do plantel, uma equipa atingia
aquilo que nunca uma outra havia alcançado.
Nesse dia 15 de Maio de 1977, que o
Marítimo recebia, no Estádio dos Barreiros, o Olhanense. ‘Cheio que nem um ovo’, diziam os comentadores, a propósito da enchente nos Barreiros nesse dia. Pendurados nos postes de
iluminação, sobre os muros que rodeiam o Estádio, empoleirados nos
galhos das árvores que ainda existiam no sector do ‘Peão’ e no espaço
que com ele confina, na pista, sobre as cabinas e os bares, até sobre a
pala que protege a bancada central, qualquer lugar servia para ver o grande jogo. E muitos tiveram de ficar de fora, nas ruas que
ladeiam o Estádio, nas rochas sobranceiras à baliza das cabinas.
Ao meio dia os portões abriram-se, e poucos minutos depois, mais de metade da lotação ‘oficial’ do
Estádio estava ocupada. Dos altifalantes do Estádio ouve-se a
marcha do Marítimo. Os presentes cantam e aos cantos juntam preces e
promessas a cumprir no caso de vitória. Uma ‘cruz’ de alecrim dá várias voltas ao Estádio, para afastar o
‘mau olhado’. Cartazes com as mais variadas mensagens são exibidos um
pouco por todo o lado. O Estádio está completamente cheio. A solta de
pombos e o lançamento de panfletos sobre a bancada central torna o
ambiente ‘vulcânico’, tal qual acontecera num primeiro momento, com a
leitura do comunicado do Governo Regional da Madeira a anunciar que, em
caso de vitória, ‘amanhã é feriado’.
Quando o Marítimo entra em campo, dos
foguetes que estalam à volta do Estádio só se detectam os clarões. O
rebentamento é abafado por mais de vinte mil vozes que gritam
incessantemente ‘Marítimo, Marítimo, Marítimo’. Não houve tempo para
recuperar do esforço vocal que acompanhou a entrada da equipa em campo.
Aos sete minutos de jogo, Nelson cobra um livre colocando a bola nos pés
de Eduardinho, que vai à linha de fundo cruzar para a cabeça vitoriosa
de Norberto. Dá-se a primeira invasão de campo. Pacífica, como era, de
resto, toda a festa. Quando o público começava a ‘acalmar’, surge o
segundo golo. Arnaldo desmarca Noberto entre os defesas algarvios e este
‘bisa’, rematando fora do alcance de João Luís, o guarda-redes
adversário. Iam decorridos 13 minutos de jogo. Nova invasão. Não há
maneira disto acalmar. Aos 20 minutos é a vez de Calisto ir à linha de fundo realizar o cruzamento que
coloca a bola na cabeça de Nelson. Assim se fez o 3-0. E com ele, pela
terceira vez entram em campo centenas de adeptos verde-rubros, a festejar
a vitória que já não podia falhar.
O público já rebentou de alegria por
três vezes, as suficientes para que se ouçam grupos de sócios gritar ‘Marítimo é campeão’, ‘Marítimo é campeão’,
‘Marítimo é campeão’. Os jogadores do Marítimo, bem, fazem a gestão da
vantagem; os adversários esboçam alguma reacção, mas não chegam a
perturbar seriamente a baliza verde-rubra. E como o desfecho do jogo dificilmente deixará de
ser favorável ao Marítimo, as exibições de folclore no intervalo são
apenas um leve complemento à festa que todos e cada um dos presentes faz
no seu lugar.
Na segunda parte chega o quarto golo do Marítimo, agora Noémio a iniciar a jogada que vai
culminar em cruzamento para o remate certeiro de Arnaldo. Claro
que houve nova invasão de campo. Faltavam agora sete minutos para o
apito final do árbitro. Quando esse apito acontece, a confirmação plena
da vitória transforma-se em nova invasão. Os milhares de adeptos que
pisam o relvado querem o impossível: a braçadeira do capitão, a camisola
dos jogadores, os calções, as meias, as botas, os atacadores destas, se
mais não houvesse. E não havia meio de a todos satisfazer, tão poucos
eram os que a tantos podiam oferecer alguma coisa que imortalizasse a
vitória mais saborosa de todas quantas o Marítimo ofereceu a estas
gerações de madeirenses que, do Estádio aos confins do Mundo, se
orgulham da terra-mãe e do seu clube campeão.
Na cidade do Funchal vivem-se momentos
de indescritível alegria. Da zona velha às zonas altas, do centro à zona
onde está instalada a maioria dos hotéis, das tascas populares aos
bares mais requintados, dos espaços de convívio público ao mais recatado
dos lares, ninguém resiste à emoção de sentir realizado o maior dos
sonhos do futebol madeirense nas últimas décadas. Já se sabe que o dia
após a vitória é feriado, decretado pelo presidente do
Governo Regional da Madeira e sócio do clube, ainda o Eng. Jaime de Ornelas
Camacho. As mais diversas formas de comemoração da vitória são o
escape para tanta alegria; entre os maritimistas mais fortemente
vinculados ao clube, o sentido de missão cumprida no presente é par do
orgulho de um passado glorioso, vezes sem fim contado aos vindouros e
outras tantas recordado com carinho.
Da generalidade dos clubes continentais
são enviadas diversas mensagens de felicitações ao Marítimo.
No momento do triunfo, até alguns que tudo fizeram para que o campeão da Madeira nunca participasse em provas nacionais prestam homenagem.
Destaque particular merecem, naturalmente, as mensagens enviadas pelo Benfica, Sporting, Porto, Boavista,
Guimarães, Belenenses, Braga, Vitória de Setúbal, entre outros,
que cumprimentam o futuro parceiro.
"É com imensa alegria e satisfação que nos associamos à grande festa do glorioso Marítimo, pois vencendo tudo e todos, galardoouse ao escalão máximo do futebol nacional, por mérito próprio, num empreendimento arrojado mercê de condicionalismos impostos e de flagrante injustiça para o futebol da nossa terra. A Direcção do Sporting Clube da Madeira não podendo ficar indiferente a tal demonstração de valor, vem manifestar a V. Exas. O seu apreço e regozijar-se com semelhante facto, pois não só está de parabéns o grande Marítimo como o desporto da nossa Ilha. Felicitando V. Exas., e toda a massa associativa, desejamos os maiores êxitos ao Club Sport Marítimo e apresentamos os melhores cumprimentos". (Sporting da Madeira, do dia 18 de Maio)
Igual interesse têm as dezenas de
missivas de sócios, adeptos e simpatizantes do Marítimo espalhados um
pouco por toda a parte. Oriundas de todas as grandes cidades
continentais e das grandes metrópoles de países estrangeiros onde
labutam madeirenses, chovem telegramas e cartas na sede do Marítimo.
Da sua leitura fica-se a saber como se realizaram festejos entre
pequenos grupos de madeirenses radicados em Lisboa, no Porto, em
Coimbra. De Macau chega a carta de um adepto disponível para contribuir
para uma presença sólida na I divisão. As agremiações de madeirenses
espalhadas por todo o Mundo exultam da Venezuela à África do Sul, dos
Estados Unidos da América à Austrália, de Inglaterra às ex-colónias
portuguesas, a subida verde-rubra à I divisão foi sentidamente
comemorada.
Seguiram-se novos e mais
importantes desafios. O Marítimo teve
de enfrentar enormes batalhas, entre as quais o desfazer das
condições humilhantes que ainda forçavam o ‘pagamento’ aos adversários para que pudesse
ser considerado um clube português de pleno direito. É isto o que significa ser Marítimista. O CS Marítimo não é apenas um clube, daqueles que nasceram apenas para praticar desporto ou para fazer algum ganhar dinheiro. O CS Marítimo representa a própria Região. É uma parte da sua história e faz parte dos seus vencedores. Ignorar isto, é desprezar grande parte da história da nossa ilha e da luta pela nossa autonomia. Poucos são os clubes que se podem orgulhar de um passado que é feito de conquistas, desportivas, mas também políticas e sociais. Passados estes 36 anos, o Clube
Sport Marítimo consolidou-se como um dos principais emblemas de Portugal. E pese embora todas as dificuldades redobradas
que enfrenta todos nossos dias, com a ajuda de todos nós, os mais novos adeptos verde-rubros, irá, mais uma vez, superar essas dificuldades e a si próprio!
VIVÓ MARÍTIMO!
3 comentários:
Arrepiei-me com este texto. Valente.
Gostava que voltasse este sentimento, este amor pelo Marítimo como existia há 36 anos. Este respeito, esta gratidão e um Caldeirão a rebentar pelas costuras.
Isto é o (que deveria ser o) Marítimo.
Esta paixão, respeito, orgulho e gratidão pelo que o clube representava e conquistava hoje estão esquecidos.
Gostava que um dia o Marítimo voltasse a ser como em 1977.
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