Entre variadíssimas discussões no seio político de Portugal, há uma que se tem destacado nos últimos dias - o casamento civil homossexual.
Tudo começou no dia 1 de Fevereiro de 2006 com a apresentação do projecto do Bloco de Esquerda, que pretende alterar o artigo 1577 do Código Civil, que define o casamento como um contrato “entre duas pessoas de sexo diferente”. Um mês depois, a 2 de Março, o Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) entregou um projecto para legalizar o casamento entre homossexuais, também através de uma alteração ao artigo do Código Civil que estabelece a actual “noção de casamento”, que passaria a ter a seguinte redacção: “Casamento é o contracto celebrado entre duas pessoas que pretendem constituir família mediante a plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código”.
Na semana passada, após reunião dos líderes parlamentares, fomos informados que a discussão no Parlamento dos dois projectos de lei, do BE e do PEV, havia sido agendada para o dia 10 de Outubro , quase dois anos depois da sua apresentação - o que não deixa de levantar questões curiosas sobre o timming da escolha.
Como não podia deixar de ser, a discussão que se seguiu não foi sobre a pertinência sobre a votação, sobre a importante mudança que revestirá as uniões na sociedade civil portuguesa, mas sim, sobre disciplina de voto! Mais precisamente se os deputados socialistas tinham ou não que votar de acordo com as directrizes superiores do secretariado geral do partido (eis uma das razões pelas quais nunca me filiei em partido algum - gosto muito da minha liberdade de pensamento e de decisão sobre matérias importantes para mim... é uma panca que eu tenho, vá lá saber-se porquê!).
Logo à partida lê-se que o PS pede disciplina de voto enquanto que o PSD dará liberdade aos seus deputados. Posteriormente ficamos a saber que a proposta da direcção do Grupo Parlamentar do PS foi mal aceite no seio do partido. Para por água na fervura, o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, vem dizer que os socialistas ainda não decidiram se há disciplina de voto no casamento homossexual. Hoje a Juventude Socialista (JS) deita a casa abaixo e por entre críticas à proposta do Grupo Parlamentar anuncia a sua desistência de agendar proposta sobre casamento homossexual na actual legislatura. E assim anda o partido que nos governa...
Na verdade, este é um tema que já cansa. Até porque, ao fim de algum tempo, mais do que o conteúdo, acabamos a discutir semântica. Os homossexuais querem casar-se porque acham que devem ter esse direito. Os opositores acham que o casamento deve estar unicamente reservado aos casais heterossexuais. Mas alguém já parou para pensar um pouco? Mas afinal que objectivos são aqui pretendidos? Que pretendem os homossexuais com a legalização do casamento para pessoas do mesmo sexo? E porque é que isto faz tanta comichão aos heterossexuais? Eis a verdadeira questão - a semântica do casamento.
Mas afinal o que é o casamento? Define-o o artigo 1577º do Código Civil como um "contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código". Ou seja, é acima de tudo, um contrato regulador de uma união estável, duradoura, onde existe comunhão de vida (leito, mesa e economia comum), entre duas pessoas.
Com esta previsão civilística pretende-se salvaguardar as partes intervenientes e terceiros de boa fé (cf. art. 1600º e seguintes do CC) - impedindo que dois irmãos, ou pai e filha, se casem; questões sobre invalidade, anulabilidade ou nulidade do contrato (cf. art. 1625 e seguintes do CC); e, sobretudo, efeitos quanto ao património das partes (cf. art. 1671º e seguintes do CC).
E é neste ponto que o "contrato de casamento" atinge a sua plenitude e onde reside (ainda) a grande diferença para a união de facto. A comunhão de vida, que é o casamento enquanto estado, deve existir no duplo plano pessoal e patrimonial. A disponibilidade de cada um dos cônjuges perante o outro, que é o reflexo do amor e de consubstancia a comunhão de vida, deve ser uma disponibilidade da pessoa e dos bens de cada um dos cônjuges. Assim, cada casamento como estado está submetido a um regime de bens, ou seja, a um estatuto que regula as relações patrimoniais entre os cônjuges e entre estes e terceiros.
Mas agora sejamos honestos. Intelectualmente honestos. Altere-se as parcelas. Equipare-se o sexo dos intervenientes. Alguém é capaz de afirmar que um casal do mesmo sexo não merece as mesmas regras de segurança previstas na lei civil para esse "contrato" de união? Que impeçam incesto e uniões de parentesco? Que protejam o património individual e o comum gerado pela união? Que garantam a subsistência e os direitos de sucessão após a morte de um dos companheiros? Penso que não. Quero acreditar que não. Então porque é que existe uma oposição tão grande ao casamento homossexual?
Não podemos minimamente ignorar que Portugal é um país assumidamente católico, cujas noções e ensinamentos estão profundamente enraizados na fibra social. Por esta razão, também não podemos ignorar que a noção "casamento" está intimamente ligada com o fervor religioso. E, como todos nós sabemos, o homossexualismo não é muito bem visto entre as hostes que praticam a política da Santa Sé. Ponto assente, é claro que as pessoas não querem ver a "palavra" casamento associada a práticas condenadas pela Igreja. Pelo que terá que ser, obrigatoriamente, levantada a seguinte questão: sendo o Estado Português um estado laico - que não professa qualquer religião - como poderá impedir que duas pessoas que vivam numa união estável, duradoura, onde existe comunhão de vida, economia e património, tenham acesso às garantias, direitos e deveres preconizados para o tal cenário? Para o tal contrato de casamento?
Deixo a minha proposta: mude-se o nome do casamento civil. Chame-se outra coisa qualquer: "relação de união", "união", "relação civil", "união civil", o que quiserem. Altere-se o disposto no artigo 1577º do CC, abolindo-se a diferença de sexos. E garanta-se que o Estado defenderá os seus cidadãos, independentemente da preferência sexual que assumam (direito consagrado na Constituição da República Portuguesa). E reserve-se então o "casamento" para a prática religiosa.
No fundo, deixemos de discutir semântica e passemos aos assuntos verdadeiramente importantes.

5 comentários:
Bem, não gosto muito de falar muito sobre este assunto porque acho-o "complicado", mas aqui vai.
Ora, tu tens uma proposta que não estou de acordo.
Luís, suponhamos que a tua proposta era válida, não achas que o próximo interesse dos homossexuais iria ser o casamento religioso? Digo isto, ou interrogo-me, porque no meu vêr, o ponto essencial da questão é que os homossexuais querem ser considerados "iguais" aos heterossexuais.
Mas tem mais uma questão, e os heterossexuais que, ou por não querer, ou porque não podem casar no religioso iriam gostar da tal "união civil" em vez do casamento civil? Hummm, acho que isso seria mais uma longaaa discussão.
Eu posso ser muito casmurra, mas não acho correcto, talvez seja antiquada mas este assunto custa a entra na cabeça. Vai contra a essência natural da vida, sei lá. :)
Perguntas tu: "não achas que o próximo interesse dos homossexuais iria ser o casamento religioso?"
Eu propôs a resolver o embróglio legal desta situação, ou seja, a equiparação para efeitos civis. A questão do casamento católico já é um problema da Igreja e do Direito Canónico, e não do Estado e do Direito Civil.
Capiche? Bjokas.
Pois.
Compreender, até que compreendo, mas continuo a não estar de acordo.
Também não irá resolver o assunto por isso... ;)
Casamento é para o contrato civil entre duas pessoas, para o religioso já existe a palavra matrimónio.
;-)
uma das mais equilibradas opiniões. concordo com a alteração do nomes que tanata "comichão" causa ao retóricos pseudo-cristãos. os meus parabéns. já agora recomendo uma outra leitura do mesmo assunto em:http://www.cresceiemultiplicai-vos.blogspot.com/
Enviar um comentário