domingo, julho 21, 2013

A Novela de Cavaco



(Foto: Pedro Nunes/Lusa)

Eu não quis comentar sobre este assunto até saber de facto o que ia dar toda esta novela. Mas este desfecho já vinha escrito da TV Guia da semana passada. Bastava estar atento.

Pois, isto tudo começa com a saída de Vítor Gaspar. E logo de seguida com a renúncia de Paulo Portas em 'aturar' mais as vontades de Passos Coelho e do já demissionário Vítor Gaspar. Compreenda-se ou não, aceite-se ou não a decisão de Portas, a verdade é que a carta de explicação que o ex-ministro das Finanças apresentou para justificar o seu pedido de demissão, dizia claramente que a sua política falhou. Tentou ser mais 'troikista' que a troika, mas falhou em praticamente todos os seus objectivos. Em suma, que era preciso um novo fôlego e um novo rumo, dentro daquilo que era possível no âmbito do previamente acordado com quem nos emprestou a módica quantia de 78 mil milhões de euros. Portanto, encaminhando a sua número 2 desde o primeiro minuto para a substituição do ministro demissionário, é natural que não se perspectivasse uma alteração da política financeira. Portanto demitiu-se. Mas Passos não aceita. E vieram os episódios mais interessantes da novela.

Entra tudo em pânico. Os mercados afundam, os juros disparam. Vozes de todos os quadrantes pedem juízo e um entendimento rápido. Pressionado pelo partido e um pouco por todo o lado, Passos Coelho e Portas voltam a reunir-se e deste encontro nasce um novo acordo de coligação, este prevendo a subida de Paulo Portas ao cargo de vice-primeiro-ministro e, mais importante, com a responsabilidade da coordenação das políticas económicas, o relacionamento com a troika e a reforma do Estado. É a oportunidade de Portas tomar pelos cornos o touro que é o último ano da troika em Portugal. Mas faltava a validação do Presidente da República, Cavaco Silva. Mas ele tinha outras ideias.

Contra todas as expectativas, embora afastando o cenário de eleições antecipadas, Cavaco decide propor um Governo de Salvação Nacional, entre os partidos que assinaram o memorando com a troika, PSD, CDS e PS. Um acordo que deveria ser sido fechado o mais rapidamente possível e que prepararia então as condições para que em Julho de 2014, data que marcaria a saída da troika de Portugal, fossemos todos as urnas. Uma coisa esquisita, que nem é carne, nem peixe, mas que deixou toda a gente à rasca. O PSD, particularmente Passos Coelho, pois esta proposta do PR veio confirmar que este não confia no Primeiro Ministro. Ao CDS porque, na realidade, fica tudo em suspenso - o que acontece se não houver acordo? O que Governo fica como está ou aceita as alterações? Não aceitando, como fica Portas face à sua demissão na forma original deste Governo? Ao PS porque empurra-o para assumir as responsabilidades que tem sacudido do capote desde que saiu do Governo. Mas a contragosto, lá se sentaram todos à mesa.

Entretanto, novo golpe de teatro. Enquanto decorria o prazo das negociações, os Verdes decidem pedir a demissão do Governo e a realização de eleições antecipadas, lançando mão à quinta moção de censura que o Governo enfrenta na Assembleia da República. PCP e BE foram os primeiros a dizer que votavam favoravelmente. O PS, apesar de Seguro aceitar negociar o tal acordo tripartido, vota contra também. Mas, ao contrário do que podia parecer, esta moção de censura foi uma benesse caída do céu para a Coligação. Não é por acaso que, durante o debate sobre o Estado da Nação, Pedro Passos Coelho tenha dito à deputada dos Verdes, Heloísa Apolónia, que a moção de censura será "muito bem-vinda" e que demonstraria que "há uma maioria coesa".

Resultado? Enquanto Cavaco se entretia com as cagarras nas ilhas Selvagens, os deputados da maioria aplaudiam o Governo de pé na Assembleia, mais uma vez sobrevivendo a uma moção de censura, e um grupo de deputados do PS, dissidentes da direcção de António José Seguro, abandonavam a sala. E assim o Governo da República saía legitimado e rejuvenescido, com a maioria parlamentar, a lhe confiar os destinos do país. Seguro ficava entalado entre a secção Socrática do partido e os seus próprios apoiantes. E Cavaco ficava entalado - como pode agora um PR recusar um Governo com maioria absoluta e legitimidade parlamentar? Não pode.

Na sexta o secretário-geral do PS, António José Seguro, anunciou ao país que o seu partido abandonava as negociações, acusando o PSD e o CDS de terem "inviabilizado" o tal acordo de 'salvação nacional' proposto pelo Presidente da República. Esquece de dizer é que o acordo que o PS pretendia era precisamente o inverso de tudo, inclusive daquilo que assinou com o troika. E a própria ideia que deixou passar de que era preciso rasgar com a troika e (re)negociar, esquece que para negociar é preciso que, neste caso, o credor assim o queira. E não querendo, como ficamos? Não ficamos, aparentemente.

Por fim, e perante tudo isto, Cavaco já não surpreendeu. O Presidente da República anunciou hoje que não irá convocar eleições antecipadas (também já tinha deixado passar a oportunidade), dizendo que acredita que a manuntenção do atual Governo de maioria parlamentar é a «melhor solução» para o país. Para mostrar que ainda é tem uma palavra a dizer, Cavaco Silva revelou ainda que ia solicitar ao Parlamento uma «moção de confiança», deixando o aviso de que «nunca iria abidicar» de nenhum poder constitucional. Resumindo: com esta trampa do acordo de salvação nacional, entalei o Seguro e o PS e fortifiquei este Governo de coligação.

E assim termina a novela que alimentou muito a imaginação do povo português nas últimas semanas. Haverá um episódio surpresa? Francamente não acredito muito. No cômputo geral ficamos com as seguintes impressões: não há alternativa real e credível ao PSD/CDS; o PS não é alternativa, nem o quer ser nestas condições; e praticamente ninguém quer eleições neste momento.


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