segunda-feira, outubro 13, 2008

Sobre praias amarelas...

 
(Foto: DN/Arquivo)


Este artigo de opinião foi publicado ontem no Diário de Notícias. A autoria é de João Welsh e o seu conteúdo é... 'self-explanatory'. Subscrevo na íntegra. Infelizmente.



Praias artificiais
Data: 12-10-2008


O que ganhamos com a construção de praias artificiais de areia amarela em substituição dos magníficos calhaus rolados de basalto que a natureza nos brindou? Ganhamos artificialismos em detrimento do natural e autêntico que desde sempre constituiu o nosso principal atractivo.


Ganhamos uma metamorfose das cores naturais da ilha, substituindo, junto ao mar, o magnífico preto do basalto pelo amarelo importado.


Ganhamos enrocamentos de protecção que são mais um forte contributo para a descaracterização da nossa paisagem.


Ganhamos a vaidade de passar a afirmar a Madeira como um destino de falsas praias amarelas, pretendendo com isso competir com outros destinos de praias naturais. Ganhamos a arte de copiar e deixamos de valorizar o que nos caracteriza, o que marca a personalidade da nossa ilha, a identidade do nosso destino turístico.


Ganhamos investimentos significativos, limitando assim, a nossa capacidade para investir na defesa do nosso património, do nosso ambiente, das nossas belezas naturais.


Ganhamos "sofisticação" e perdemos exotismo, factor capital na atractividade turística de um destino de lazer, em particular de uma ilha.


Ganhamos custos de manutenção altíssimos, de carácter regular.


Ganhamos contactos comerciais privilegiados com Marrocos e desenvolvemos ainda mais as nossas importações e, em consequência, exportamos capital, um bem, bem mais escasso que areia amarela.


Ganhamos uma colagem do nosso destino Madeira ao destino massificado de Canárias com quem passaremos a competir pelos turistas low cost e perdemos um dos nossos elementos críticos de diferenciação. Ganhamos as Canárias como grande referência turística para a nossa orientação estratégica, apesar da nossa ilha ser de uma beleza muito superior a qualquer uma das ilhas do arquipélago vizinho.


Ganhamos a oportunidade de mudar uma vez mais a nossa marca turística, associando um destino de grandes tradições, mas com uma nova oferta - as praias artificias de areia amarela.


Ganhamos uma sonoridade mais pacífica da rebentação das ondas na areia, deixando para a nossa memória a melodia única e continua do mar a chocar com o calhau.


Ganhamos a possibilidade de promover a diversificação do nosso ecossistema através de novas espécies vivas que, eventualmente venham com a areia de Marrocos, criando assim, eventuais novos desafios para a segurança da saúde pública do nosso destino.


Ganhamos a possibilidade do Porto Santo e da Madeira deixarem de ser destinos que se complementam um ao outro e que se reforçam pelas suas diferenças.


Ganhamos danos irreversíveis nas nossas únicas belezas naturais, na nossa Pérola do Atlântico.


Ganhamos, acima de tudo, a capacidade de evitarmos sermos diferentes e, assim, condicionamos uma Visão e um Plano Estratégico sério para o nosso turismo.


Ganhamos, por fim, a possibilidade das nossas gerações futuras, mais sensíveis ao ambiente e à autenticidade, poderem aprovar planos de restauração do calhau original.


Como podem verificar, os ganhos são tantos que é difícil ser contra as praias artificiais de areia amarela. Ganhos à parte, deixo aqui o desafio de se lançar um concurso de ideias, junto da Ordem dos Arquitectos, para apresentarem soluções criativas com vista a dotar as praias de calhau de condições para poderem ser utilizadas com mais conforto e segurança, não só na sua fruição, mas também no acesso ao mar. E eu, o que ganho a escrever este artigo? Nada! Pura ingenuidade aos 47 anos! Pura ingenuidade que tudo farei para manter!.



Fonte: Diário de Notícias, 12-10-2008

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