quinta-feira, outubro 05, 2006

O estrondo republicano

Neste dia, a 5 de Outubro de 1910, os homens revoltosos sobre o comando de Machado dos Santos, derrubavam o modelo monárquico secular vigente em Portugal. Na celebração desta efeméride, tomei a liberdade de transcrever um texto de Nélson Veríssimo, publicado neste dia, no Diário de Notícias da Madera.


O estrondo republicano

("A proclamação da Republica das janellas da Camara Municipal" - Grav., Bertrand Dete)

O derrube da monarquia, a 5 de Outubro de 1910, não foi acontecimento inesperado, nem tão-pouco suscitou apreensão geral. Pelo contrário, por todo o país, à medida que o telégrafo propagava a vitória, sucediam-se manifestações de regozijo pela queda de um regime que, nem mesmo entre os seus apaniguados, despertava crença convicta.

"Bastou o estrondo para desabar o trono." - assim Raul Brandão registou depoimento elucidativo nas suas "Memórias", associando o troar do canhão com o estouro das consciências.

Desde o Ultimato inglês que a monarquia portuguesa agonizava. Nos últimos anos, a inépcia do monarca, as prepotências do consulado de João Franco e o regicídio pressagiavam a queda dos Braganças.

A revolução, desencadeada em Lisboa nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910, contou com a eficaz e decisiva ajuda dos Carbonários, membros de uma organização secreta com ligações à Maçonaria, criada, na última década de Oitocentos, para pôr fim à realeza em Portugal. Foram esses civis que estiveram na Rotunda ao lado de Machado Santos, nos momentos decisivos, quando já os rebeldes militares iam sendo atingidos pelo medo e o desânimo, com as notícias do suicídio de Cândido dos Reis, o chefe militar da revolução, e do assassinato de Miguel Bombarda, o chefe civil das operações revolucionárias.

A revolução republicana fez-se em trinta horas. Houve 76 mortos e 308 feridos. Entre os civis encontra-se maior número de vítimas. Para a época, e comparativamente com outras insurreições, o número de baixas não pode ser considerado elevado. João Chagas chamou, à revolução de Outubro, "um idílio", lembrando-se de que fora prevista com roupagem sangrenta, um "dies irae", nas suas próprias palavras.

Essa tranquilidade, de imediato fez irromper, por todo o país, manifestações de contentamento e de esperança com laivos sebastianistas, como se despontasse nova era de realização de antigos sonhos e utopias. No Funchal, a 6 de Outubro, perante uma certa resistência da hierarquia militar, a Comissão Republicana tomou a iniciativa de proclamar a adesão da Madeira ao novo regime político, promovendo a posse do novo governador civil, o Dr. Manuel Augusto Martins, e hasteando a bandeira verde-rubra na fortaleza de São Lourenço, com as devidas honras militares. Aplausos entusiásticos de uma enorme multidão, guiada por uma banda de música que executava a "Portuguesa", davam às ruas do Funchal uma tonalidade festiva. Todavia, a República haveria de herdar e cultivar muitos dos defeitos e vícios dos políticos da monarquia constitucional. Cedo se frustrou o sonho romântico acalentado pelos republicanos. O desencanto e a decepção generalizavam-se.

A 10 de Março de 1911, João Prudêncio escrevia na revista O Occidente: "O erro capital da maior parte dos governos é criar instituições complementares sem ter criado as instituições fundamentais; criar serviços que, eles próprios, se organizariam sob a acção de homens esclarecidos, sem a intervenção do Estado, dos poderes públicos...".

António Sérgio confessava em 1912, numa carta a Raul Proença: "Sem tirania governa-se e deve-se governar num país educado, constituído, organizado; mas temo bem que sem tirania não será possível meter na organização um país em que o governo, as classes dirigentes, são uma súcia de bandidos, charlatães e parasitas, como entre nós".

Na verdade, uma leitura atenta e conscienciosa da acção dos primeiros governos republicanos, por quem viveu esses anos conturbados, não poderia perspectivar optimismo sobre o desenvolvimento do país. O descrédito da classe política atolava a República em terrenos lamacentos. A conjuntura financeira também não viabilizava grandes projectos de melhoria das condições de vida dos portugueses.

Mesmo assim, a I República proporcionou ainda a construção de importantes infra-estruturas e dedicou grande atenção à melhoria da instrução pública. No entanto, a prometida obra de regeneração nacional ia ficando adiada, não devido à oposição monárquica, porque esta nunca conseguiu originar um movimento forte que pusesse verdadeiramente em causa as instituições republicanas.

Os germes destruidores da República encontravam-se no seu seio, como de forma esclarecida escreveu Raul Brandão: "Quem fez mal à República? Foram os actos do Governo Provisório? Nem esses, nem mesmo os do Afonso Costa, que o País tinha acabado por aceitar se o partido se mantém íntegro. Foram os de alguns políticos que, acima da República, puseram os seus interesses e as suas ambições.". E, assim, quando o 28 de Maio de 1926 pôs fim à república parlamentar implantada em 1910, o povo voltou a aplaudir."

in "DN Madeira, 5/10/06"

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