quinta-feira, junho 14, 2007

Justiça para todos...


A justiça era representada em Roma por uma estátua, com olhos vendados, representando a máxima de que "todos são iguais perante a lei". Os gregos deram-nos a balança com o fiel, símbolo de equilíbrio, ponderação e equidade, e a espada, manifestação da força necessária para a aplicação da justiça.

Uma septuagenária, natural de um concelho minhoto, é acusada de roubou um creme de beleza de 3,99 euros num supermercado em Paranhos, no Porto. O julgamento teve início a 23 Maio nos Juízos Criminais do Porto. Sim, leram bem: 3,99 euros.

Apesar do valor irrelevante do creme de beleza alegadamente roubado, o Ministério Público decidiu avançar com a acusação. A verdade é que, se criticarmos esta opção, vamos ao mesmo tempo estar a defender (mesmo que implicitamente) que a tribunal só devem ir casos "mais caros". Um crime não muda a sua natureza só por ser mais barato ou mais caro.

No entanto, por outro lado, este processo custará centenas de euros ao Estado, sendo que só o advogado oficioso da arguida receberá à volta de 250 euros a final, a procuradoria andará à volta dos 200 euros, por aí adiante.

Eu próprio já passei por uma situação semelhante - diria mais - pior até. No ano passado, tive um julgamento na Ponta do Sol, onde uma senhora vendedora era acusada do crime de burla, por alegadamente ter enganado uma sua cliente em... dezassete cêntimos! Não estou a gozar... eram mesmo dezassete cêntimos (trinta e tal escudos na moeda antiga)! Foi absolvida, não pelo valor em questão, mas por ter ficado comprovado nos autos que tudo tinha sido um erro da máquina e que tinha devolvido o dinheiro.

Mas regressemos ao nosso problema. Como resolver esta questão? Já vimos que o critério "custo" dificilmente poderá ser utilizado como factor decisivo para definir quais casos vão a julgamento ou aqueles que serão arquivados. Assim como a idade (com a excepção da menoridade) também não mudam a realidade, de que os factos praticados estão tipificados no nosso ordenamento penal. Factores como o custo ou a idade apenas influenciam na medida da pena, ou seja, já depois de uma (possível) condenação.

A verdade é que no nosso sistema (como em muitos outros lá fora) estas situações, embora risíveis e até chocantes à vista de um público mais leigo, acabam por ser inevitáveis, pois fazem jus ao princípio da igualdade e ao princípio da tipicidade, pedras basilares do nosso ordenamento penal. Ninguém gosta de ter velhotes no banco dos réus. Fica feio e é até má política. Toda a gente ri e fica escandalizada com este caso dos 3 euros (como eu fiquei no meu de 17 cêntimos). Mas no âmbito de uma justiça igual para todos, onde queremos que os tubarões não estejam à margem da lei, os pequenos peixinhos também não o poderão estar.

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