sábado, janeiro 20, 2007

O Caso dos "Pais"

Há casos em que o Direito e o bom senso não andam definitivamente de mãos dadas. Uma coisa é a teoria, o predisposto pela norma jurídica. Outra coisa é a sua aplicação. E, algumas vezes, esta última produz resultados perfeitamente desumanos e incompreensíveis. E pior se tornam quando as instituições que têm responsabilidades pela sua boa prática, elas próprias se tornam o veículo da ilegalidade.

O tribunal de Torres Novas condenou, no início desta semana, um militar a seis anos de prisão por sequestro de uma criança de quatro anos. Até aqui tudo bem. Ninguém gosta de raptores, muito menos de crianças de tão tenra idade.

Mas o que se segue, roça o limiar do inacreditável. A referida criança havia sido entregue pela mãe biológica para adopção, com uma peculiar característica - pai incógnito. O que fez a Segurança Social? Antes de sequer averiguar se o "background" da criança, entregou-a a uma família de acolhimento.

A quem era essa família? Pois é, acertaram. O nosso arguido e a sua esposa, que desejando ter uma filha, quiseram adoptar a jovem criança.

Entretanto, pela ausência de progenitor determinado, o MP havia instaurado um processo de investigação de paternidade que, em suma, mais tarde levou a que o pai biológico fosse descoberto e que este, igualmente descobrindo que tinha uma filha, quisesse ficar com a mesma (nada mais lógico).

Foi aqui então que se gerou a grande celeuma. Afinal quem tem direito à criança? O pai biológico ou os pais adoptivos, tendo em atenção que o processo de adopção não estava concluído?

O pai biológico requereu o poder paternal, que lhe foi concedido após a audição dos pais e do casal adoptivo. Nos respectivos autos, foi ordenado pelo tribunal que a filha fosse restituída ao primeiro.

Como a sentença não lhe foi favorável, o casal que recebeu a menor tentou recorrer, mas os juízes de primeira e de segunda instância consideraram que não eram parte legítima do processo. Pelo que recorreram para o Tribunal Constitucional, para que este analisasse a matéria de direito. Note-se que há dois anos que o pedido do militar e da sua mulher está pendente para apreciação no TC.

Desde então, a família de acolhimento tem mantido a criança afastada do pai legítimo, enquanto desespera pelo resultado do apelo ao Constitucional, cujo resultado poderá lhes permitir recorrer da decisão da relação do poder paternal.

E é por este motivo, que hoje o pai "adoptivo" enfrenta uma condenação a seis anos de prisão, pelo crime de sequestro da sua "filha adoptiva". Como se já não bastasse, o senhor militar, e porque o processo não está findo, está sujeito à medida de coacção mais grave - a prisão preventiva.

Resumindo, esta bagunçada toda poderia ter sido perfeitamente evitada. Há duas posições em jogo, perfeitamente legítimas, mas por motivos diferentes. De acordo com a lei, o pai biológico tem todos os direitos sobre a paternidade dos seus filhos. Do outro lado, temos a questão moral, que são os pais que acolheram a criança no seu lar, que a apoiaram e protegeram, afeiçoaram e a desejaram.

Poder-se-á discutir quem tem melhores condições? Quem poderá dar o melhor futuro à criança? Claro que sim. No entanto, esta discussão está viciada à partida, porque a preferência legal é manter sempre a relação biológica - facto que torna a adopção um processo moroso e complicado.

Este assunto, e como muitos outros, noutras áreas, enferma de laivos de incompetência grave, com vários danos colaterais, manifestados em relações familiares destroçadas e uma criança perdida. Quem é que paga isto?

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