quarta-feira, novembro 16, 2005

A sentença do "Caso Joana"

Sexta feira passada, o Tribunal de Portimão condenou a mãe e o tio da pequena Joana a 20 anos e 4 meses e 19 anos e 2 meses de prisão, respectivamente, e considerou que os réus revelaram «especial perversidade».

Leonor e João Cipriano, condenados por homicídio qualificado e ocultação de cadáver, usaram da «sua força desproporcional relativamente à de uma criança de oito anos só parando (de bater) quando a mataram, apesar de ela sangrar pelo nariz, boca e têmpora», mostrando-se incapazes «de se controlar e de reger pelas motivações éticas mais básicas», diz o acordão.

«Dificilmente se encontrará um caso mais grave de homicídio», observa o acórdão que considerou provado que os arguidos agiram com plena consciência das consequências dos seus actos ao espancarem violentamente a pequena Joana na noite de 12 de Setembro de 2004.

Agora permitam-me dar a minha modesta opinião do ponto de vista jurídico. Creio que esta decisão, pela forma como decorreu o julgamento, é extremamente perigosa.

O corpo nunca apareceu. Ou seja, não existe objecto do crime.

Não houve confissão dos arguidos. Aliás, as suas versões, altamente publicitadas nos meios de comunicação social, foram mudando conforme o dia. No entanto, em processo penal, toda a prova tem que ser produzida em audiência de julgamento. E nela os arguidos mantiveram-se em silêncio, sendo um direito que lhes assiste. Sendo assim, não houve produção de prova relativamente aos depoimentos, até porque não são permitidas as reproduções das declarações à PJ ou MP, quando os arguidos recusam prestar declarações em audiência, excepto em situações específicas previstas na lei, o que não foi o caso.

Não houve testemunhas presenciais. Ou seja, nenhuma testemunha arrolada pelo MP, viu o corpo, viu os arguidos. Pelo que sei, e pelo que é confirmado no Acordão condenatório do Tribunal, este baseia-se naquilo que as testemunhas "ouviram dizer", ou que "os arguidos lhes disseram".

O resultado dos exames períciais foram inconclusivos. Ou seja, o sangue encontrado na arca frigorífica, em roupas, e nalgumas paredes, não foi provado, por provas científicas claras, que pertencesse à menina Joana. Logo, a lei obriga que se atente à presunção de inocência dos Arguidos.

Neste sentido, e do meu ponto de vista jurídico, esta condenação é fraca. E põe em causa toda a segurança jurídica de um normal desenrolar processual em matéria de produção de prova. Isto simplesmente quer dizer que se pode ser condenado em Portugal, sem provas!

Estou bastante curioso para ver o que dirá o Tribunal da Relação em matéria de recurso. Prevejo, talvez, uma revogação desta sentença.


Dito isto, e agora de um ponto de vista pessoal, sem quaisquer considerações jurídicas, não tenho dúvidas que eles mataram a pequena Joana, e que a pena aplicada é justa.


2 comentários:

Dinarte Jesus disse...

A minha opinião pessoal, tambem é como a tua, mas atendendo a esses factos que descreveste, a maneira como se desenvolveu o processo é muito preocupante no que diz respeito à credibilidade do nosso sistema judicial.

Unknown disse...

Pois. No fundo é a velha discussão entre a segurança/certeza jurídica, contra o crer popular.